A Polícia Civil já investiga 26 casos de suspeita de lesões causadas por um médico a pacientes em Novo Hamburgo, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Na quarta-feira (14), uma enfermeira que trabalhou durante 10 anos ao lado do cirurgião João Couto Neto, no Hospital Regina, disse ter visto procedimentos fora do padrão por parte do profissional.
“Simplesmente, operou a paciente do lado errado. Era uma hérnia do lado direito, ele operou do lado esquerdo”, diz a enfermeira, que prefere não ser identificada.
A defesa disse que não vai se manifestar. Questionado sobre o relato da ex-funcionária, o Hospital Regina informou que segue colaborando com as investigações da polícia.
Na segunda-feira (12), João Couto Neto foi afastado de suas funções por 180 dias após decisão judicial, sem poder atender pacientes ou se aproximar de parentes das vítimas que teria lesado. O inquérito policial aponta que cinco pessoas morreram após intervenções realizadas pelo cirurgião.
Clínica de médico investigado pela Polícia Civil no RS — Foto: Reprodução/RBS TV
Relato da enfermeira
Segundo a enfermeira, o médico não fazia a checagem padrão antes das cirurgias com a equipe. “Antes do paciente entrar pra sala de cirurgia, o técnico de enfermagem faz um questionário com esse paciente, identificando onde é o sitio cirúrgico a ser operado. O que ocorreu neste dia também foi que não foi feito o check list por conta da pressa da produção do médico. Ele bania a equipe de fazer, então, esses questionamentos, debochava da equipe”, conta.
Ela afirma que, em outra cirurgia, o médico provocou sequelas permanentes em uma paciente. “Essa situação me marcou bastante porque era uma paciente jovem, que estava em idade fértil ainda, podia ter ainda filhos e tal. Ele foi fazer uma cirurgia na região abdominal e acabou perfurando o útero da paciente. A paciente acabou tendo que retirar o útero”, detalha a enfermeira.
“Eu acho que ele merece responder por toda a violência que ele causou, tanto emocionalmente quanto física nessas pessoas”, afirma.
Esposa de vítima
A dona de casa Ivanir de Carvalho perdeu o marido em 2018, um ano depois de ser operado por João Couto Neto no Hospital Regina para retirar uma hérnia. Durante a recuperação, ela sentiu que havia algo errado com o companheiro. “Ele gritava. Gritava dia e noite, ele não tinha mais paz. Eu procurei os médicos, procurei ele, fui atrás dele, fui no consultório, fui nos corredores atrás dele, mas não consegui. Não consegui mais falar com ele”, afirma.
Ela diz ainda que pediu ajuda e registrou reclamação na ouvidoria do hospital. “Eu comecei a notar que meu marido tava com o intestino furado. E comecei a questionar. Questionei, questionei, briguei, chorei, xinguei, fui humilhada e xingada, mas não adiantou nada. Eles diziam que ‘não’, que era o quadro dele”, afirma.
Investigação
A Polícia Civil cumpriu mandados de busca e apreensão no apartamento do cirurgião, em uma clínica particular de propriedade do médico e no Hospital Regina. A Justiça negou o pedido de prisão preventiva do médico.
Conforme o delegado responsável pela investigação, Tarcísio Lobato Kaltback, o médico, que se apresenta como especialista na realização de cirurgias do aparelho digestivo, é responsável por “intervenções desastrosas e desumanidade no tratamento pós-operatório, com descaso total quanto à saúde”. “Uma vítima, por exemplo, ia fazer a correção de uma hérnia e tinha o intestino perfurado. Uma outra vítima ia fazer uma cirurgia de uma pedra na vesícula e tinha o fígado cortado”, afirma.
Entre os relatos coletados pela polícia, há depoimentos que apontam casos de infecção generalizada, trombose, embolia pulmonar e até mesmo demência após a realização de procedimentos realizados pelo cirurgião.