O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) vai investigar a suspeita de irregularidades que envolvem servidores e médicos que atuam na central do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU). Reportagem do Fantástico apontou descumprimento de escalas de trabalho.
A promotora de Justiça Roberta Brenner de Moraes afirma que há indícios de prática de diversos crimes. Segundo o MP, os médicos que receberam sem trabalhar poderão ter que devolver o dinheiro aos cofres públicos.
“Se constata um enriquecimento ilícito, que vai ser apurado. A gente busca o ressarcimento, busca a responsabilização na área da improbidade, que pode acarretar perda da função pública, perda de direitos políticos, multas, e também busca a responsabilidade criminal de quem usa de fraude para obter uma vantagem, que é claramente ilícita”, explica a promotora.
O enfermeiro Cleiton Felix, responsável pelas denúncias, esteve na Promotoria de Defesa do Patrimônio Público na manhã desta terça-feira (29). Ele entregou arquivos e prestou depoimento.
Cleiton repassou à Promotoria escalas de trabalho, relatórios com todos os atendimentos prestados entre 2022 e 2023, além de vídeos e cópias de mensagens com cargos de chefia.
“Depois que escurece, das 19h em diante, existe um revezamento. A ‘escala da escala’. É uma escala pactuada entre os profissionais, que se ajustam para fazer um plantão mais curto”, explica o enfermeiro.
No domingo (27), reportagem do Fantástico denunciou irregularidades no cumprimento de escalas do SAMU no Rio Grande do Sul. Na segunda-feira (28), a Secretaria Estadual de Saúde (SES) anunciou a abertura de sindicância, auditoria e implantação de novos mecanismos de controle na central de regulação, como câmeras.
Garrafa d’água sobre teclado para burlar ponto
Uma das táticas usadas para burlar o controle do ponto de médicos na central do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) de Porto Alegre foi revelada em reportagem da RBS TV por Jimmy Herrera, coordenador do serviço. Segundo Herrera, uma das médicas envolvidas na fraude deixava uma garrafa d’água sobre o teclado do computador quando se ausentava do trabalho para manter teclas pressionadas. Com isso, o computador não desligava e nada era registrado no sistema.
“Ela deixou uma garrafa em cima do teclado justamente para que ficasse emitindo um número ou uma letra dentro da tela, para que o sistema não caísse, como se alguém estivesse usando o sistema”, conta Herrera.
Imagem simula estratégia de médica do SAMU para fingir que estava trabalhando: deixar uma garrafa d’água pressionando teclas do computador enquanto estava fora — Foto: Reprodução/RBS TV
Coordenador sabia de fraude
O médico que coordena a central admite que sabia da fraude e acusa a direção de não ter tomado providências. Ele conta também que um médico chegou a apresentar 12 atestados falsos para cumprir horário menor do que o contratado.
“Prontamente, reuni tudo, falei com a médica que provavelmente estava sendo lesada com o carimbo e o receituário, levei para o [Eduardo] Elsade [diretor do Departamento de Regulação do RS]. Ela disse que achava um absurdo, chorou. Foi aberto processo administrativo e essa médica pediu exoneração”, diz Herrera.
Faltas abonadas irregularmente
A reportagem do Fantástico revelou que médicos deixavam de cumprir horas de trabalho previstas em contrato e seguiam recebendo pela totalidade da carga horária. Eles deveriam trabalhar, em média, 100 horas por semana, mas só cumpriam 40 horas.
Há indícios de que a chefia da Central do SAMU abonava as faltas irregularmente, alegando na folha de pagamentos que havia “problema na marcação pelo relógio de ponto”.
A central de regulação do SAMU atende aos chamados, via telefone 192, de 493 municípios do RS. Em 269, os médicos também são responsáveis por despachar as ambulâncias e indicar os hospitais para onde os pacientes serão levados.
Médicos do SAMU fazem escala própria e trabalham menos do que o acordado — Foto: Reprodução/RBS TV
Promessa de punição
Na segunda-feira (28), a secretária estadual da Saúde, Arita Bergmann, gravou um pedido de desculpas. A sindicância aberta pela pasta para apurar o caso tem prazo de 30 dias para ser concluída. Um sistema de câmeras e catracas para controlar entradas e saídas no local também deve ser instalado.
“Estou muito triste de ter que testemunhar, em 50 anos de vida profissional, matérias desse foco. Por isso, nós do governo do estado queremos, com três palavras, dizer o que estamos imprimindo: um, apurar todas as possíveis e eventuais irregularidades; dois, corrigir com muito rigor o que está errado, sendo comprovados erros; e três, punir quem não cumpriu com a sua jornada de trabalho”, listou.
Por enquanto, os médicos flagrados na reportagem não serão afastados. O coordenador médico Jimmy Herrera e o diretor Eduardo Elsade também continuam nos cargos.
O Ministério da Saúde informou que pode suspender os repasses de R$ 25 milhões por ano ao SAMU, caso as denúncias forem comprovadas.