A estância Santa Adelaide assinou, na terça-feira (21), um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) emergencial. O acordo estabelece que a fazenda se compromete a pagar as verbas rescisórias devidas a 54 trabalhadores resgatados em condições semelhantes à escravidão no local, em Uruguaiana, na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul. Pelo documento, serão pagos R$ 228 mil até o dia 28 deste mês.
Uma das cláusulas do acordo assinado estabelece que os proprietários se comprometem a custear os valores para atendimento ao adolescente que perdeu parcialmente os movimentos de um dos pés durante a atividade que desempenhava no local. O termo inclui despesas médicas, hospitalares, fisioterápicas e, se necessário, cirúrgicas, até a recuperação do jovem.
Em nota enviada à reportagem pelo advogado Marcelo Peruchin, a estância Santa Adelaide afirmou que “todas as obrigações assumidas junto ao MPT serão atendidas” e que “continuará permanentemente colaborando com as autoridades”. A empresa acrescenta que “fará nos autos dos respectivos procedimentos todos os esclarecimentos pertinentes”. Leia a íntegra da nota abaixo.
Conforme o Ministério Público do Trabalho (MPT), a reparação referente aos danos morais será apurada posteriormente, a partir da investigação da responsabilidade de todos os elos da cadeia produtiva. O órgão de fiscalização identificou agenciadores, duas fazendas e uma multinacional do setor de grãos.
Durante a manhã desta terça, também foi firmado um acordo com um segundo agenciador dos trabalhadores. O acordo inclui indenização por danos morais coletivos e uma série de obrigações para regularização de novas contratações.
Conforme o MPT, o recrutador assume o compromisso de não aliciar trabalhadores com falsas promessas e de custear despesas de transporte e acomodação aos contratados. O homem também se compromete a não empregar menores de 18 anos em serviços não recomendados, não empregar menores de 16 anos (a não ser na condição de aprendiz), de acordo com as disposições da legislação brasileira.
Com relação aos equipamentos, há a obrigação de fornecimento de vestimentas de proteção e a responsabilização pela descontaminação e manuseio do material, além de oferecer condições para higiene após a jornada de trabalho.
Relembre
Ao todo, 85 trabalhadores foram resgatados em Uruguaiana, no dia 10 de março. Do total de pessoas, 11 são adolescentes com idades entre 14 e 17 anos. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Uruguaiana disse que os empregados extraíam o arroz vermelho, considerado uma praga nas lavouras, com uma faca de serra, como as utilizadas na cozinha.
O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) já identificaram os elos da cadeia produtiva do arroz nas duas estâncias onde houve o resgate. Seriam, segundo os órgãos, os proprietários das terras, o arrendatário de uma das fazendas, os aliciadores e uma grande empresa de sementes que comprava e controlava a safra.
O esforço da fiscalização, agora, é identificar precisamente a responsabilidade de cada um dos envolvidos. Após essa etapa, deve ocorrer a negociação do pagamento voluntário das obrigações de cada um para com os trabalhadores, em indenizações individuais, e com a sociedade, em direitos coletivos.
Conforme o MTE e o MPT, os resgatados não utilizavam equipamentos de proteção e caminhavam à exaustão antes de chegarem ao local em que desempenhavam as atividades. A refeição e as ferramentas de trabalho eram custeadas pelos próprios empregados. As condições degradantes incluíam comida azeda e não fornecimento de água.
”A comida deles azedava e eles tinham que repartir o que não azedava entre eles. Sem local de descanso, então muitas vezes tinham que dormir embaixo do ônibus, que era onde tinha sombra”, relata o auditor-fiscal do trabalho Vitor Siqueira Ferreira.
Se algum deles adoecesse, teria remuneração descontada, segundo apurado pela fiscalização. Conforme os relatos, um dos adolescentes sofreu um acidente com um facão e ficou sem movimentos de dois dedos do pé.
“Era um trabalho penoso, ficavam no sol, sem alimentação, sem água potável, muitas vezes tinham que andar mais de 50 minutos, muitos andavam descalços”, diz o procurador Hermano Martins Domingues.
A operação foi realizada em duas propriedades rurais do município, após uma denúncia informar que havia jovens trabalhando sem carteira assinada. Ao chegar ao local, a fiscalização constatou a situação e identificou adultos também em condição de escravidão.