A Justiça do Trabalho determinou, na quarta-feira (19), que a Stara, empresa de Não-Me-Toque, no Norte do Rio Grande do Sul, cumpra oito obrigações a fim de garantir o direito dos trabalhadores ao voto sem direcionamento. A indústria de implementos agrícolas é acusada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT-RS) de coagir fornecedores e funcionários após divulgar um comunicado em afirmava que reduziria o orçamento em 30% em caso de vitória de Lula (PT) no segundo turno da eleição para a Presidência da República.
Ao g1, uma das advogadas da empresa afirma que a Stara ainda não foi notificada da decisão e que não poderia se manifestar.
A decisão liminar foi concedida no âmbito de uma ação civil pública (ACP) ajuizada para apurar denúncias de coação eleitoral. Em caso de descumprimento, a empresa fica sujeita a multa de R$ 20 mil por infração, acrescida de R$ 10 mil por trabalhador prejudicado ou por dia de irregularidade, a depender da infração.
Trecho de decisão judicial sobre denúncia de coação eleitoral contra empresa do RS — Foto: Reprodução/TRT-4
Detalhes da decisão
Pela decisão emitida pelo desembargador federal do trabalho Manuel Cid Jardon, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, a empresa deve se abster de veicular propaganda político-partidária em bens móveis e demais instrumentos laborais dos empregados e adotar quaisquer condutas que, por meio de assédio moral, discriminação, violação da intimidade ou abuso de poder diretivo, intentem coagir, intimidar, admoestar e/ou influenciar o voto de quaisquer de seus empregados no pleito do dia 30 de outubro.
A liminar também determina que a empresa se abstenha de obrigar, exigir, impor, induzir ou pressionar trabalhadores para realização de qualquer atividade ou manifestação política em favor ou desfavor a qualquer candidato ou partido político, bem como reforce em comunicados por escrito o direito livre de escolha política dos trabalhadores.
Nas próximas 24 horas, a Stara tem a responsabilidade de emitir um comunicado por escrito a ser fixado em todos os seus quadros de aviso, redes sociais e grupos de WhattsApp, dando ciência aos empregados de que a livre escolha no processo eleitoral é um direito assegurado e que é ilegal realizar campanha pró ou contra determinado candidato, coagindo, intimidando ou influenciando o voto dos empregados com abuso da relação hierárquica entre empregador e trabalhador.
A Stara também deverá divulgar em seu perfil do Instagram garantias de que não serão tomadas medidas de caráter retaliatório contra os empregados, como perda de empregos, caso manifestem escolha política diversa da professada pelo proprietário da empresa.
No primeiro turno, Jair Bolsonaro, do PL, teve 61,82% dos votos para a Presidência (6.727 votos), em Não-Me-Toque, enquanto Lula (PT) foi a escolha de 32,06% dos eleitores (3.489 votos) do município.
Entenda o caso
O Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul (MPT-RS) entrou com uma ação na Justiça contra a empresa no dia 7 por coação eleitoral. O pedido de tutela de urgência havia sido negado em primeira instância no dia 13, e o MPT propôs um mandado de segurança recorrendo da decisão nesta terça (18), que foi aceito.
A medida judicial é resultado de uma investigação de denúncias de assédio eleitoral por parte da diretoria da empresa.
Um comunicado do empreendimento que atua no ramo de máquinas e implementos agrícolas endereçado a “fornecedor”, divulgado após o primeiro turno, sugere que vai reduzir o orçamento em 30% em caso de vitória de Lula (PT) no segundo turno da eleição para a Presidência da República (saiba mais abaixo).
“O efeito da imensa repercussão das notícias sobre a redução da produção na empresa – bem como de redução das aquisições junto aos seus fornecedores – tem, como resultado, gerar um clima de apreensão e insegurança em toda a coletividade de trabalhadores, não apenas da Stara, mas da cadeia produtiva”, afirma o MPT.
De acordo com o MPT, denúncias de coação eleitoral contra a Stara chegaram em setembro à Procuradoria do Trabalho Municipal em Passo Fundo. A mesma empresa também já havia sido denunciada pelo MPT por prática de assédio eleitoral nas eleições de 2018.
O MPT pede ainda, por meio da ação, que a Stara seja condenada ao pagamento de danos morais individuais, para cada pessoa que possuía, no mês de setembro de 2022, relação de trabalho com a Stara. Também é pedida a condenação ao pagamento de R$ 10 milhões por danos morais coletivos.
Empresa confirma que documento é verdadeiro
Em vídeo publicado nas redes sociais da empresa, o diretor Átila Stapelbroek Trennepohl confirma a veracidade do documento e diz que o comunicado foi “dedicado exclusivamente aos nossos fornecedores”. Segundo Átila, a Stara é uma empresa que tem prática comum, todo segundo semestre, de realizar a projeção para o próximo ano e compartilhar com os fornecedores.
No comunicado, assinado pelo diretor administrativo financeiro Fabio Augusto Bocasanta, a Stara alerta sobre uma “instabilidade política e possível alteração de diretrizes econômicas no Brasil após resultados prévios do pleito eleitoral” — sem, entretanto, apontar quais seriam essas mudanças.
Em seguida, afirma que, “em se mantendo este mesmo resultado no 2º turno, a empresa deverá reduzir sua base orçamentária para o próximo ano em pelo menos 30%, consequentemente o que afetará o nosso poder de compra e produção, desencadeando uma queda significativa em nossos números”. A circular encerra sem apresentar dados que corroborem as afirmações.
Família doou para campanhas de Bolsonaro e Onyx
A empresa tem como sócio Gilson Lari Trennepohl, de 62 anos. Ele doou R$ 350 mil a Jair Bolsonaro (PL) e é um dos 10 maiores doadores da campanha do presidente.
Gilson Trennepohl também é vice-prefeito de Não-Me-Toque, eleito em 2020, na chapa com Maninho (União Brasil). Na ocasião, ele declarou um total de R$ 163 milhões em bens. Ao assumir, passou a direção da Stara ao filho Átila Stapelbroek Trennepohl. Hoje, atua como presidente do Conselho de Administração.
Ao g1, por telefone, Gilson destacou que o posicionamento da empresa se deve à insegurança vivida no país e que é normal alertar internamente que “a direção aguarda o decorrer dos próximos capítulos para fazer investimentos.”
Gilson também destinou outros R$ 300 mil à campanha de Onyx Lorenzoni (PL), o representante do PL, partido de Bolsonaro, no segundo turno da disputa pelo governo do RS, como consta no portal de divulgação de candidaturas e contas eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Já Susana Stapelbroek Trennepohl, esposa de Gilson e diretora financeira da empresa, doou outros R$ 100 mil à campanha de Onyx.
No mês passado, empresários do agronegócio enviaram veículos agrícolas para ‘tratociata’ de apoio a Bolsonaro em Brasília. Dois tratores que partiram de Formosa (GO) eram de propriedade da Elo Forte Máquinas, concessionária de veículos agrícolas da Stara.
‘Crimes eleitorais’
Em nota conjunta, o MPT-RS e o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4) afirmam que “o uso de violência ou de coação para influenciar o voto são crimes eleitorais”. O documento foi assinado pelo procurador-chefe do MPT-RS, Rafael Foresti Pego, e pelo presidente do TRT-4, desembargador Francisco Rossal de Araújo.
“Ameaças a trabalhadores para tentar coagir a escolha em favor de um ou mais candidatos ou candidatas podem ser configuradas como prática de assédio eleitoral e abuso do poder econômico do empregador, passíveis de medidas extrajudiciais e/ou judiciais na esfera trabalhista”, dizem.
As instituições ressaltam que “o exercício do poder do empregador é limitado, entre outros elementos, pelos direitos fundamentais da pessoa humana” e que é “ilícita qualquer prática que tenda a excluir ou restringir a liberdade de voto dos trabalhadores”.