Investigações da Polícia Civil e auditorias independentes têm desvendado diversos esquemas de fraude e desvios de recursos em condomínios residenciais no Rio Grande do Sul. As apurações mostram, principalmente, esquemas de superfaturamento, uso do cargo de síndico em benefício próprio e estelionato.
A reportagem exclusiva do repórter Giovani Grizotti foi ao ar no Fantástico do domingo (25).
Na maioria das investigações, os desvios atingem residenciais mais humildes, alguns dos quais construídos pelo programa Minha Casa, Minha Vida. Duas das principais investigações ocorrem na serra gaúcha.
Farroupilha
Na última semana, o síndico Alexandre da Costa, do Residencial Alvorada II, em Farroupilha, foi preso por suspeita de ameaçar e extorquir dinheiro dos moradores. De acordo com a polícia, ele contratou empresas dele próprio e da esposa para prestar serviços de portaria, jardinagem e limpeza no condomínio.
“Depois que ele assumiu a gestão do condomínio, imediatamente, ele criou uma empresa de zeladoria, de limpeza, enfim, a parte administrativa do condomínio e colocou em nome da própria esposa. Porém, na prática, era ele quem administrava”, diz o delegado Éderson Bilhan.
Alexandre da Costa admitiu que a empresa da família foi contratada para prestar serviços ao condomínio e que a contratação foi aprovada por assembleia.
O valor do contrato, conforme a polícia, seria 50% maior que o praticado pelo fornecedor anterior. Durante as buscas, a polícia descobriu ainda que o síndico usava a sala da portaria do residencial como sede da firma de segurança. Até a central de monitoramento de clientes dele, de outras cidades, teria sido montada no local.
Sobre isto, ele alegou que servia apenas como “ponto de apoio”.
Também investigado por suspeitas de ameaçar moradores, Alexandre teria organizado um sistema clandestino de abastecimento de água, depois que a Corsan, companhia de saneamento do RS, cortou o fornecimento por falta de pagamento. Moradores dizem que quem não pagava tinha o hidrômetro retirado.
“Daí eu como eu não tinha dinheiro para pagar, eu tive que sair de casa e ficar na minha sogra”, reclama uma moradora que preferiu não se identificar.
Alexandre negou as ameaças e disse que montou o sistema de água para os moradores não ficarem sem abastecimento. Garantiu ainda que a qualidade da água estava certificada por exames de laboratório.
Situações semelhantes são apuradas no condomínio vizinho, o Alvorada I, onde moradores descontentes denunciaram um suposto esquema de procurações falsas que garantem a reeleição permanente do síndico.
O síndico teria até forjado documentos em nome de um morto, situação confirmada por uma auditoria contratada pelos condôminos, que tentam destituí-lo. O objetivo é votar nele próprio e tomar as decisões, como contratação das próprias empresas para prestar serviços ao conjunto residencial. Em uma das assembleias, ele teria apresentado 157 procurações, praticamente metade do número de apartamentos.
A reportagem teve acesso à investigação, que mostra uma procuração apresentada pelo síndico em 31 de julho de 2017 para representar o morador. O problema é que esse condômino já estava morto havia quatro meses: a certidão de óbito e o registro no túmulo do cemitério de Farroupilha confirmam a morte no dia 12 de março daquele ano.
Procurado pela reportagem, o síndico disse que denúncias não são fatos comprovados, e desligou o telefone.
Caxias do Sul
Em Caxias do Sul, a Polícia Civil investiga desvios no condomínio Esplanada, também de caráter popular, e indiciou a ex-síndica Jacira Machado por estelionato. Ela é suspeita de vender apartamentos que sequer existiam. Para atrair compradores, alegava que os imóveis estavam prestes a ir a leilão e tinham origem na quitação de dívidas por condôminos inadimplentes com as taxas de condomínio.
“Ela criou uma história de que havia apartamentos nesse condomínio onde ela era a síndica, cujos proprietários estariam em débitos de taxas condominiais. E, a partir daí, então, estavam sendo executados”, explica o delegado Edinei Albarello.
O advogado Fábio Fischer, que representa Jacira, informou que ela vem cooperando com a investigação, e se apresentou à polícia quando solicitado. No que diz respeito ao processo, a defesa aguarda ainda o oferecimento de denúncia por parte do Ministério Público para que possa tomar ciência de todas as imputações formalizadas contra a cliente.
Segundo as investigações, por valores abaixo do mercado, Jacira alegava que estaria disposta a negociar os imóveis antes de serem leiloados.
“É leilão interno, é leilão do condomínio, não tem nada a ver com a Caixa. A gente tem um valor de 38 (mil reais). Agora tá é 38 mil, quitado”, disse a então síndica, em áudio enviado a uma das pessoas lesadas.
O inquérito policial diz que 50 pessoas foram enganadas. Juntas, perderam cerca de R$ 1,5 milhão.
A reportagem localizou um casal de vítimas, que pensava ter comprado dois apartamentos. O dinheiro de entrada – R$ 20 mil para cada imóvel – foi depositado na conta do condomínio. Isso fez com eles não desconfiassem do golpe.
“A gente não tinha desconfiado porque a toda a transferência de dinheiro, tudo era em nome do condomínio”, explica o empresário Cássio Sandim.
Conforme a polícia, depois de ir para a conta do condomínio, o dinheiro era transferido para a síndica e, posteriormente, sacado. Além do suposto golpe, Jacira também teria pago despesas pessoais e feito saques suspeitos.
A reportagem teve acesso a um extrato bancário do condomínio que mostram retiradas de altas quantias e transferências para uma clínica de tratamentos estéticos.