O Brasil condena a invasão russa na Ucrânia na ONU, votando com a maioria dos países — enquanto o presidente e sua base aliada falam em neutralidade e até cogitam apoiar o governo de Vladimir Putin. Esse posicionamento ambíguo do nosso país está gerando certo mal-estar com outras potências, como Estados Unidos e União Europeia.
Contudo, esse talvez seja o menor dos problemas da guerra na Ucrânia para os brasileiros (os que vivem aqui, pelo menos). As sanções econômicas contra a Rússia, por outro lado, já trazem consequências práticas para o Brasil e vão continuar trazendo conforme o conflito se estende.
Cotações de moedas estrangeiras e bolsas de valores estão mudando a todo tempo, os preços de alguns produtos (como o petróleo) estão disparando e várias instituições russas não podem fazer negócios com países contra a guerra. Muito além dos gabinetes da política e dos índices financeiros, essas questões geram consequências práticas para nós — cidadãos comuns.
1. Gasolina (e tudo) mais caro
Para começar, vamos falar da consequência mais clara de todas: os combustíveis. No dia 8 de março, o governo dos Estados Unidos anunciou a proibição da importação de petróleo e gás vindos da Rússia. Sendo este um grande fornecedor da commodity para todo o Ocidente, ela tende a ficar escassa — e, por consequência, mais cara.
Foi mais ou menos isso que aconteceu na famosa “Crise do Petróleo” dos anos 1970: os países produtores regularam a oferta e fizeram os preços dispararem — mesmo que por razões muito diferentes, a consequência é a mesma. Como o Brasil regula os valores dos combustíveis pela cotação do petróleo em dólar, a gasolina e o diesel podem aumentar aqui.
Isso só vai ocorrer se o governo não mudar as regras, claro. Já existem conversas para acabar com a política de cotações em dólar e até congelar os preços de combustíveis por seis meses. Vale lembrar que 2022 é ano de eleição e novos aumentos pegam mal para o governo — além de pagar mais caro no posto, o brasileiro verá o maior preço dos combustíveis se refletir em tudo que compra, uma vez que o país depende do transporte rodoviário.
Com isso, bancos e consultorias já aumentaram suas projeções para a inflação no Brasil: a do BNP Paribas foi de 6% para 7%, por exemplo, e a da XP Investimentos aumentou de 5,2% para 6,2% em 2022 — e de 3,2% para 3,8% no próximo ano. Em resumo, tudo vai ficar mais caro.
2. Os impactos da guerra no agronegócio
Além da gasolina, existe outro problema que pode fazer tudo ficar mais caro no mercado: os fertilizantes. O agronegócio brasileiro importa dos russos cerca de 80% dos fertilizantes que utiliza, como nitrogênio, fósforo e potássio. Essa, aliás, foi a justificativa do governo Bolsonaro para sua viagem a Moscou, pouco antes do início do conflito.
Mesmo que o Brasil não corte laços com a Rússia, como os Estados e a União Europeia estão fazendo, a produção dos fertilizantes neste país pode ser prejudicada. Além disso, cargas do produto estão sendo impedidas de passar: a Lituânia, membro da OTAN, deteve um navio de Belarus (aliado de Putin) que traria fertilizantes para o Brasil.
Segundo especialistas, não deve faltar nitrogênio, fósforo ou potássio no mundo — há mais países que fornecem essas substâncias, como o Canadá. A questão é que, como no caso do petróleo, o preço vai aumentar bastante… Aí, acontece um efeito cascata.
Isso porque o Brasil usa essas substâncias para produzir soja e milho, que vão ficar mais caras. Porém, além de servir como comida para humanos, a soja e o milho também são usadas como ração animal. Dessa forma, a carne também tende a ficar mais cara. Se já estava difícil fazer um churrasco, se prepare…
Ainda no agronegócio, vale mencionar que a Ucrânia é uma grande produtora de grãos e trigo. Com os esforços desse país voltados para a guerra, tais produtos tendem a ficar mais caros no mercado internacional. Mas isso até que pode ser bom para os produtores brasileiros, que vão acabar atendendo à demanda — somos um dos maiores produtores de grãos do mundo.
3. Possíveis mudanças nas leis ambientais
Voltando ao problema dos fertilizantes, o governo tem uma alternativa na manga para diminuir nossa dependência das importações da Rússia: minerar essas substâncias em terras indígenas. O governo afirma que há grandes reservas de potássio na Amazônia, por exemplo. Diz também que os próprios indígenas poderiam ser beneficiados pelos royalties.
Já representantes indígenas e ambientalistas discordam totalmente disso. Para começar, dizem que há potássio mais que suficiente para abastecer o agronegócio fora de terras indígenas — o Brasil que nunca quis explorá-las porque é mais barato importar os fertilizantes. Portanto, essa história seria só uma desculpa para “passar a boiada” e aumentar a exploração da Amazônia.
Claro que, por mais que o governo defenda, a mineração em terras indígenas só será permitida se o legislativo aprovar. Até lá, muitas discussões sobre o assunto vão acontecer.